Hiper-realismo: O tempo como matéria-prima

Don Jacot

Don Jacot – Pay Phones (1995)

 

Em uma época dominada pela potencialidade dos megapixels, da imagética Go-pro® e das panorâmicas estonteantes dos drones, podemos nos perguntar: qual o papel desempenhado pelas  obras hiper-realistas na conjuntura atual? Qual o sentido deste tipo de produção artística face ao desenvolvimento contínuo das tecnologias de captação da imagem?

Ao observarmos estas questões de forma simplista, a busca pela verossimilhança (outrora tratada como condição sine qua non para a produção de uma obra artisticamente reconhecida[1]), por si só, não faria sentido no mundo atual dominado pelo imperativo da tecnologia e da alta resolução.

Contudo, parece ser justamente nesta contradição que se afirma o cenário no qual o hiper-realismo encontra sua maior relevância cultural.

Richard Estes

Richard Estes – Nedick’s (1970)

As obras hiper-realistas (incluindo todas as gerações de artistas[2] pertencentes a este movimento) se destacam pelo esplendor e impacto do conteúdo visual que carregam. Estas obras contemplam representações em grande escala, com um nível de detalhamento primoroso sobre o nosso cotidiano e possuem como objeto, especialmente, a urbe e todo maquinário que domina a contemporaneidade.

De uma forma geral, podemos observar que dois aspectos centrais se destacam neste movimento artístico: a árdua busca pela verossimilhança e a representação de cenários do cotidiano (especialmente urbano).

O nível de precisão e de detalhamento das obras hiper-realistas (i.e. caraterísticas da busca pela representação verossimilhante), muitas vezes transplantando imagens fotográficas para a tela[3], transcende as questões puramente técnicas, e dialogam de forma direta com a nossa percepção sobre o tempo.

Robert Gniewek

Robert Gniewek – Gasoline (1990)

Observamos, a partir de uma mesma fonte de inspiração para a criação artística, uma espécie de combate entre o tempo instantâneo e veloz do clique fotográfico versus o tempo maturado e moroso da pintura detalhista. A transformação forçada entre distintas plataformas de criação, por meio de um processo lento e minucioso, resulta em um tipo de criação artística completamente inovador.

A criação de uma obra de arte que poderia se revelar num par de segundos, pelo instante de um clique, é forçosamente interrompida pelo artista; ela será gradualmente maturada, lapidada e reconfigurada. Neste momento já não falamos em produzir arte com filmes, tintas e pincéis, mas sim, com o próprio tempo. O tempo, portanto, transfigura-se na verdadeira matéria-prima utilizada pelo artista.

Para além da esfera cronológica, o locus também ocupa um papel central no hiper-realismo. Nas aparentes trivialidades e frivolidades representadas por cenas de um cotidiano urbano e maquinal, escondem-se aspectos de uma obviedade rica e explicativa. São nas imagens das cabines telefônicas vandalizadas, dos restaurantes de comida rápida, dos postos de gasolina ou dos cruzamentos desertos que se revelam dramas modernos; uma espécie de angústia latente dos tempos atuais.

Se à primeira vista as obras podem parecer compostas de uma artificialidade carente de emoção, em uma abordagem mais profunda podemos vislumbrar que, são nesses momentos frugais, que encontramos os aspectos mais primais, dramáticos e significativos da nossa sensibilidade.

Davis Cone

Davis Cone – Cameo (1988)

A riqueza de imagens transpostas para as telas, em sua maioria oferecidas pela urbe contemporânea e pelos artefatos que cercam a modernidade, representam a proficuidade de elementos criativos a serem apropriados pelos artistas. Neste sentido “a realidade da imagem constitui a imagem da realidade” [4].

Deste modo, superadas as análises mais superficiais e gerais sobre o hiper-realismo, podemos considerar que, apesar  de aparentar uma criação artística baseada no materialismo (especialmente aquele radicado no estilo de vida norte-americano), as obras deste movimento nos levam a uma fascinação artística universal, muitas vezes baseada nos dramas humanos acerca do nosso  próprio tempo e espaço.

Notas:

[1] Vide os inúmeros exemplos encontrados na escultura grega clássica e nas pinturas renascentistas.

[2] Primeira geração (1960-1970) representada por artistas como John Baeder, Richard Ester e Charles Bell; segunda geração (1980-1990) representada por artistas como Davis Cone, Don Jacot e Rod Penner; e terceira geração (a partir de 1990) representada por artistas como Clive Head, Peter Maier e Roberto Bernardi.

[3] Geralmente nas técnicas de óleo ou acrílico sobre tela.

[4] AA, V. (2013). Hiperrealismo 1967-2012. Fund. Colección Thyssen-Bornemisza, 4-5, p.19.

 

São Paulo: Sinfonia [Entrópica] da Metrópole

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O passado talvez seja o melhor dos artifícios para nos revelar o presente. Assistir “São Paulo: Sinfonia da Metrópole”, um filme de 1929, dirigido pelos húngaros radicados em São Paulo, Rodolfo Lustig e Adalberto Kemeny, confirma esta máxima.

2

O filme, que apresenta influências do cubismo e do construtivismo e é inspirado em “Berlim: Sinfonia da Metrópole” (1927) de Walther Ruttman, pode ser considerado, na concepção de Scott McDonald (2015), uma espécie de obra “avant-doc”,  um cinema  que traz elementos avant-garde e documentais.

Mas o objeto da discussão aqui não é a produção cinematográfica em si (apesar do reconhecimento do seu mérito artístico e histórico), mas sim a proposição inicial deste post… : o filme, ao mostrar aquela São Paulo de 1929, nos revela muito da nossa São Paulo de hoje.

Tudo está lá, mesmo que em sua fase germinal (uma espécie de “ovo da serpente”? Talvez…).

Jornais…garoa…ligar de máquinas…ruídos…bancos e finanças…café…passos apertados… tempo e relógio…cosmopolitismo…trens… os “titãs de cimento armado”… as ” chaminés com seus fumos negros’.

Estas variáveis simbólicas e reais fazem parte da sua construção e configuração.

A cidade é uma construção social e, por consequência, sua configuração está diretamente ligada às ações e aos pensamentos dos homens e mulheres. Ela é uma produção (e uma reprodução) de seres humanos por seres humanos. Não se limita ao mero relacionamento e produção de objetos (LEFEBVRE, 2001).

São Paulo pode ser entendida como um agente social polarizador de recursos, que apresenta uma centralidade orgânica, com intensa articulação de fluxos, configuração espacial, uso constante da simbolização e visibilidade social (SEVCENKO, 2004).

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Cena do Filme “São Paulo: Sinfonia da Metrópole”

O desequilíbrio, esperado em um sistema tão complexo como este, nada mais é do que o resultado dos impulsos contraditórios que a constitui (SIMMEL, apud CASTELLS, 1983).

O cenário que sentimos, de desarticulação e degradação das grandes cidades contemporâneas, apresenta características irreversíveis, principalmente em relação aos recursos naturais e aos danos sociais causados, permitindo uma correlação com o significado entrópico do desenvolvimento das sociedades.

O tempo flui no sentido da perda de estrutura, perda de significação (dos padrões construídos) e perda da beleza (ALMEIDA, 1999). A ordem da cidade, pensada simbolicamente pelos pioneiros, demonstra não ser uma abordagem natural e possível (RAMA, 1985). Esta ordem é antes de tudo um artifício que permite enxergar apenas uma das inúmeras possibilidades.

 

Nesta São Paulo, que representa uma espécie de laboratório de experimentações para as múltiplas formas de organização, principalmente para a crescente margem de excluídos, ganha valor a dialética entre concentração e dispersão, ordem e desordem (SOUZA, 2004).

Em São Paulo as mudanças são tão sensíveis que se pode considerar obsoleta e degradada, seja pelas mudanças sociais ou pela devastação sofrida, uma construção com apenas duas décadas de existência. O espaço organizado e construído, em certa medida, também representa as relações sociais que estão presentes na cidade (REIS FILHO, 1994).

A metástasis paulistana, conota um sentido de deslocamento, mobilidade, transporte e comunicação entre diversos contextos (SEVCENKO, 2004).

O tempus edax rerum, o tempo que consome e estraga todas as coisas, apresenta o consumismo (em todas as suas facetas) como algo natural, tendo o progresso como seu imperativo ético. A sensação de beco sem saída reflete o caráter auto-destruidor daquilo conhecido como progresso (LAUAND, 2001).

E longa vida à Babilônia Paulistana.

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Centro de São Paulo –  Theodor Preising – Década de 1940

Referências:

ALMEIDA, Mauro W. B. de. Simetria e Entropia: sobre a noção de estrutura de Lévi-Strauss. Revista Antropologia, vol. 42, n. 1-2, p. 163-156, 1999.

CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra: 1983.

LAUAND, Luiz Jean. Entropia: progresso para a destruição. Revista de Graduação da Engenharia Química São Paulo, n. 8, p. 9-16, jul./dez. 2001.

LEFEBVRE, Henry. O Direito à Cidade, São Paulo, Centauro: 2001.

MC DONALD, Scott. Avant-Doc: Intersections of Documentary and Avant-Garde Cinema. New York: Oxford University Press, 2015.

RAMA, Angel. A Cidade das letras. São Paulo, Editora Brasiliense: 1985.

REIS FILHO, Nestor Goulart. São Paulo e Outras Cidades. São Paulo, Hucitec: 1994.

SEVCENKO, Nicolau. A Cidade Metástasis e o Urbanismo Inflacionário: incursões na entropia paulista. Revista da USP, São Paulo, CCS, v.63, p.17-35.

SOUZA, Maria Adélia Aparecida de. A Identidade da Metrópole: a verticalização em São Paulo. São Paulo, Hucitec/EDUSP: 1994.

 

 

40…

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“Olá Mark, o que você andou fazendo nesses vinte anos?”…

A frase de Sick Boy nos trechos iniciais de T2 – Trainspotting não poderia ser mais significativa… e não só para o filme.

T2 – Trainspotting, assim como o filme de 1996, apresenta a mesma energia e qualidade cinematográfica: bela fotografia, tomadas inovadoras, agilidade no roteiro, ótimos flashbacks e uma impecável trilha sonora. T2 – Trainspotting tem o mérito de não cair no erro de muitos filmes que tentam resgatar o brilho de sua primeira versão e se transformam numa sequência nostálgica com tons de “remake”, pelo contrário, T2 – Trainspotting revela uma sequência pulsante que, mesmo olhando majoritariamente para o passado, consegue ser atual e denso, revelando, de uma forma dinâmica, todo o peso destes vinte anos e muitos dilemas da sociedade contemporânea.

Mas o maior impactoTrainspotting-3, e penso especialmente naqueles que conheceram Renton, Spud, Begbie e Sick Boy há exatamente vinte anos atrás, não reside na qualidade cinematográfica em si, mas, especialmente, sobre o simbolismo que o “tempo” adquire na obra. No fundo, trata-se apenas dele, o resto é consequência.

Agora, notadamente escrevendo em primeira pessoa, é inegável o impacto ao entrar no cinema e revê-los, vinte anos depois.

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Em 1996, Trainspotting era uma referência para nossas mentes jovens e sedentas por transitar, de alguma forma, na contracultura daqueles tempos. Prova disto residia nas inúmeras referências que fazíamos ao filme no cotidiano entre amigos (até o apelido de Spud um grande amigo ganhou temporariamente). Era impossível dissociar Trainspotting do imaginário juvenil daqueles meninos que nasceram nos fins dos anos setenta, especialmente numa babilônica cidade de São Paulo.

Olhando para 2017, é inegável o mérito do diretor Danny Boyle. O grande trunfo do filme, senão o maior, é justamente esta sensação de proximidade e amizade reavivada com o quarteto, nossos amigos já de longa data (duas décadas para sermos mais precisos).

A sensação é de continuum. Estes vinte anos passaram muito rápido, mas também foram, de alguma forma, muito densos, seja para Renton, Spud, Begbie, Sick Boy, você e eu.

O roteiro, a montagem, a história e as músicas que dão o tom energético à T2 – Trainspotting, sem sombra de dúvida, são primorosos, contudo, esta sensação complexa, e até contraditória, que mistura nostalgia, saudade, reflexão, angústia, esperança e carinho, é o grande trunfo do filme. Uma obra que parece comportar o simbolismo do tempo e vinte anos de história.

Agora aos quarenta anos, tal como Renton, sentimos saudades dos vinte, aproveitamos da melhor forma o presente e, quem sabe, e se tivermos sorte, nos encontraremos novamente aos sessenta… Espero que estejam todos bem.

Choose life!

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Fragmentos – O Cavaleiro de Copas (Knight of Cups)

KnightOfCups

Existem obras que não podem ser analisadas e apreendidas de imediato, no momento do primeiro contato. Obras em que o espaço da fruição e da análise estão, impreterivelmente, dissociados. O Cavaleiro de Copas (Knight of Cups), de Terrence Malick, é uma delas.

Não seria possível escrever sobre este filme imediatamente após assisti-lo. A melhor orientação seria: – Permita a fruição agora, pense depois.

O incômodo, fruto da fragmentação ininteligível num primeiro momento, deve persistir, atormentar, até que, quando devidamente depurado, possa revelar a grande riqueza de sentidos e significados proposta por Malick.

À primeira vista, O Cavaleiro de Copas apresenta uma sequência de imagens de grande potência estética, acompanhada por diálogos e narrações sussurradas e desconexas.

É nesta toada que o filme se desenvolve: fragmentos.

Contudo, estes fragmentos (que podem desagradar a muitos espectadores) serão, ao mesmo tempo, o recurso fílmico desafiador de Malick e o mote explicativo da narrativa e dos significados capitais da obra.

Sem título

O caminho percorrido por Rick (Christian Bale), personagem principal do filme, revela, por meio de um roteiro não cronológico, os gozos e as dores vividas por um homem que chega à meia idade. Memórias de luxo, sucesso, mulheres, festas e fama intercalam-se com dramas e rupturas familiares, relacionamentos fracassados, dor e arrependimento.

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Tudo isto se apresenta na narrativa do filme, que se afunila e se concentra no problema principal: a angústia, o remorso e a dúvida de um homem que se encontra desconcertado com estas memórias e desesperado em relação ao real entendimento do presente e as escolhas a serem realizadas para o futuro.

Malick oferece caminhos explicativos para Rick – possibilidades completamente distintas, contudo, possíveis na experiência humana. Uma vida liberta, solitária e nômade; uma vida familiar focada na concepção e no cuidado com os filhos que darão sequência à nossa jornada; ou simplesmente, a opção de não acreditar no devir como um espiral de crescimento inexorável até a almejada redenção, conforme apresentado pelo pai de Rick, um senhor desgostoso da vida que se decepcionou ao não encontrar o sentido final no crepúsculo da existência.

É nesta última opção que talvez resida a grande potência do filme. Ela revelará, em última instância, a junção da concepção fílmica e semântica da obra.

Os fragmentos são os reais fatos constitutivos da nossa vida; acreditar na vida como uma grande epopeia, num regime crescente até a grande redenção pode decepcionar a muitos. Nos fragmentos e no processo é que a vida se realiza, com todas as suas felicidades e suas dores.

Se existiam dúvidas de Rick em relação à sua história e suas complexas memórias, já não importa mais. Estas memórias não estão, elas já se tornaram nós. A última frase do filme parece resumir claramente a saída: simplesmente “begin”.

Índice

Polaco Loco Páca

Leminki 1

Raros são os artistas que conseguem apresentar uma produção realmente multifacetada e com um alto nível de qualidade. Leminski é um destes casos. Agrega-se a este atributo a sua personalidade simples e cativante.

Se o destino o levou de forma apressada, sua obra ainda ficará por muito tempo.

A exposição Múltiplo Leminski, em cartaz na Caixa Cultural, no Rio de Janeiro, tenta registrar parte desta potente produção, com destaque, é claro, para a poesia e a literatura – destaques de sua obra.

Leminki 6

Leminski é simples e direto e, ao mesmo tempo, tocante e profundo.

Culto, multidisciplinar, meio tropical, meio oriental zen, judoca, carateca, compositor, escritor, publicitário, ensaísta, jornalista, performer, pai… tudo isto é Leminski.

Na melhor postura Haikainiana, escreve de forma direta, lírica, explorando a potência e a riqueza da língua (ou melhor, das línguas, das diversas que dominava). Corajoso, foi até o fim defendendo a árdua batalha em defesa da poesia… em suas próprias palavras, se julgava um guerreiro, afinal “ser poeta aos 17 é fácil, aos 22 é fácil, aos 25 é fácil, agora aos 30, 40, 50 (idade que nem chegou a ter), 60, 70, é apenas para os corajosos, como Drumond e Quintana”.

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Sua prosa é complexa, culta, e fomenta um imaginário mágico. Catatau é a fábula que melhor representa isto. Alucinações de Descartes em terras tropicais, com seu cachimbo e sua luneta, representam a síntese de muitas coisas, de muitas visões de mundo, que convergem e se colorem, levando ao estágio máximo o enigma da leitura sobre o pandemônio onírico de nossas terras.

Seus Haikais são afiados. Na simplicidade estrutural do gênero* é que melhor se revela a capacidade de transformar menos em mais. É também aí que se revela o talento do poeta que extrai aquilo de mais potente de cada palavra, cada sílaba, cada letra.

Leminki 4 Leminki 5

A Língua e a Filosofia (de vida) exploradas à última potência, numa reverência declarada ao seu mestre Matsuo Bashō.

Experimente ler alguns de seus Haikais sozinho, numa mesa de bar, acompanhado de uma taça de vinho (ou qualquer outra bebida que lhe apeteça) e irá perceber o tempo que demorará para se apropriar do total significado contido nestes pequenos fragmentos de texto (isto é, se conseguir apreende-lo na sua totalidade, é claro). Este tempo, invariavelmente, será grande, e diretamente proporcional à potência espiritual encerrada nestas poucas palavras.

Leminki 3

Muitas outras faces deste grande artista de Curitiba (“esta grande cidade localizada no interior de São Paulo”, segundo as palavras do próprio) também estão disponíveis na exposição. Música, publicidade, crítica, são áreas a serem exploradas e conhecidas.

Contudo, vamos com calma. No melhor estilo zen, numa espécie de busca ativa por iluminação, vamos processar cada coisa no seu tempo. Sua poesia já nos dará bastante trabalho… e prazer.

 

* A estrutura tradicional do Haikai japonês, consiste em 17 sílabas japonesas, divididas em três versos de 5, 7 e 5 sílabas, contém alguma referência à natureza (diferente da natureza humana), refere-se a um evento particular (ou seja, não é uma generalização), apresenta tal evento como “acontecendo agora”, e não no passado.

GOGA, H. Masuda. O haicai no Brasil. São Paulo: Aliança Cultural Brasil-Japão, 1988.

Zeitgeist – tempo, espaço e ressignificação

Poucas palavras encerram tanto conteúdo e amplitude de significações como “ZEITGEIST*”.

A exposição de mesmo nome, com o complemento de Arte da Nova Berlim, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil no Rio de Janeiro, e com curadoria de Alfons Hug, faz jus à grandeza do termo.

Berlim, sem dúvida, pode ser considerada uma das principais, quiçá a principal, cidade do século XX. Palco central dos dois maiores conflitos do século, representados pelas duas grandes Guerras Mundiais, e lugar de materialização histórica do conflito capitalista-comunista, desde sua gênese até o seu ocaso, com seu emblemático Muro divisor, fazem da cidade “uma verdadeira colcha de retalhos, cheia de fragmentos divididos entre a maldição da memória e as experimentações rumo ao século XXI… abriga tanta história e tantas utopias fracassadas que pode ser considerada a mais pura cidade pós-moderna”, segundo as palavras do próprio Alfons Hug.

É neste contínuo ciclo de construção, desconstrução e ressignificação que reside o grande motor cultural alemão (e também das grandes urbes mundo afora, sujeitas a este mesmo movimento contínuo), formador deste espírito tão complexo e característico.

Este Zeitgeist é representado de forma pujante nas obras da exposição e pelos seus eixos temáticos: Tempo que corre e tempo estagnado, A ruína como categoria estética, Eterna construção e demolição, O vazio e o provisório, Hedonismo cruel e Novos mapas e os outros.

Estes eixos, por si só, já servem como “trilha” explicativa perfeita para entendimento destes tempos.

Temas como espaço e tempo, predicados basilares do conceito de Zeitgeist, encontram espaço de destaque na produção de Michael Wesely.

Imagem -Michael Wesely

Michael Wesely

A valorização estética da destruição, do abandono e da devastação impingida pelo homem no seu meio social e, especialmente, urbano, revela os traços estruturais de uma sociedade que parece umbilicalmente ligada a este eterno movimento de ressignificação. Frank Thiel e Thomas Florschuetz representam de forma contundente esta proposta.

Imagem - Frank Thiel (2)

Frank Thiel

Imagem - Frank Thiel (1)

Frank Thiel

Imagem -Thomas Florschuetz

Thomas Florschuetz

Conjugando espaço, tempo e este contínuo movimento de ressignificação encontramos a síntese proposta pela obra de Julius Von Bismarck e Julian Charrière – um conjunto de betoneiras que, num intento furioso de mudança, apropriam-se de fragmentos de demolições de construções berlinenses, transformando-os, por meio de seu processamento maquinal, em seixos e, finalmente, pó: base de uma nova possibilidade de construção.

Imagem - Julius Von Bismark e Julian Charrière

Julius Von Bismarck e Julian Charrière

Estes espaços em suspenso, paradoxalmente destruídos e úteis ao mesmo tempo, conjugam uma espécie de crueldade lírica e prazerosa. Obras como as de Martin Eberle revelam locais em ruínas que servem de palco para interação social, festas e produção artística.

Imagem - Martin Eberle

Martin Eberle

Temos, portanto, um poderoso exemplo de que a produção artística, em suas diversas plataformas, constitui uma das principais formas de representação material deste Zeitgeist. As primorosas curadoria e montagem desta exposição, trazida ao público pelo CCBB, só tornam mais fácil compreender esta relação.

 

* Zeitgeist, em uma das suas concepções, (inclusive, aquela adotada pela curadoria da exposição) é um termo alemão que caracteriza o conjunto do clima intelectual e cultural numa certa época, ou, ainda, características gerais de um determinado intervalo de tempo a partir do qual a arte, a cultura e as relações humanas evoluem.

Excertos sobre a história de São Paulo na primeira metade do século XX à luz das lentes de Becherini e Haberkorn

A história recente da cidade de São Paulo, especialmente aquela referente ao século XX, é conhecida por seu grande movimento de transformação econômica, urbana e social, oriundo, principalmente, da riqueza advinda da cafeicultura do século XIX e pelo processo de industrialização que se opera na primeira metade do século XX. Este processo apresentou especificidades importantes que merecem uma leitura pormenorizada.

A Herança da Cafeicultura

As transformações ocorridas no início do século XX, decorrentes da pujança econômica que a cidade demonstrava, sintetizada a partir de 1890, e oriunda dos excedentes financeiros provenientes da cafeicultura, marcou a ascensão de uma elite majoritariamente imigrante destituída de tradições, que apresentava um caráter comercial e, posteriormente, industrial.

Esta destituição de tradições locais deve ser considerada com especial cuidado, pois será responsável por caracterizar o modelo de transformação ocorrido: das moradias nas fazendas provincianas cafeicultoras à ostentação de estilos diferenciados e misturados, quase todos de origem européia (Art Noveau, Neoclássico e o ecletismo), que se afirmaram na arquitetura da cidade, e que serão apropriados pela mesma elite e pelo governo provincial de São Paulo, na gestão de Antonio Prado, como modelo e símbolo de desenvolvimento (a “europeização” do seu centro), sendo este o período preferencial registrado por Aurélio Becherini.

O projeto de uma civilização moderna, branca e de perfil europeu, mesmo que procurasse obliterar os vestígios de uma barbárie, representada pela população pobre e uma cidade provinciana, era lugar comum no imaginário das elites dominantes no início do século XX (SANTOS, 1998).

A sequência de fotos de Aurélio Becherini, apresentadas à seguir, explicitam tais considerações.

Av. São João, 1914

Av. São João, 1917

Av. São João, 1917

Viaduto do Chá, 1917-1918

Viaduto do Chá, 1917-1918

Vale do Anhagabaú, 1919-1920

Vale do Anhagabaú, 1919-1920

Largo de São Bento, 1920

Largo de São Bento, 1920

Rua Direita, 1916-1918

Rua Direita, 1916-1918

Largo da Misericórdia, 1910

Largo da Misericórdia, 1910

São Paulo como Metrópole – processo de transformação

Outro ciclo de transformação pode ser visualizado ao final da primeira metade do século XX. Apesar da força motriz das transformações apresentar a mesma natureza daquela visualizada no início do século, ou seja, de ordem econômica, os fatores determinantes agora são outros. A pujança, neste período, encontrava-se, especialmente, no processo de substituição de importações intensificado na década de 1940 com o início da Segunda Guerra Mundial e pela implantação da indústria automobilística.

Este dinamismo econômico se materializa na expansão física da cidade e no desenvolvimento da construção civil. Vale lembrar que é no segundo quartil do século XX que se inaugurou o emblemático Edifício Martinelli (1929) e os demais arranha-céus que lhe sucederam, como o edifício do Banco do Estado de São Paulo (SAES, 2004).

Nesta nova conjuntura, surgiu a figura de um político preocupado e com predileção pelo planejamento urbano: Francisco Prestes Maia. Prefeito nomeado pelo governo federal, no período de 1938 a 1945, deu fim à grande rotatividade de mandatários que se sucederam, num curto espaço de tempo, à frente da prefeitura de São Paulo.

A cidade novamente mudaria de feição, como uma espécie de caleidoscópio. A mentalidade paulistana pautava-se no progresso, entendido especificamente pela transformação qualitativa da produção industrial, do crescimento populacional, do tráfego, pela abertura de avenidas e pela construção de edificações (QUEIROZ, 2004), registros prediletos de Werner Haberkorn.

O legado de Prestes Maia prevaleceria por muitas décadas na doutrina urbanística da cidade de São Paulo. Seu Plano de Avenidas, editado em 1930, e que prevaleceu por mais de 40 anos, ainda define a estrutura organizacional viária da metrópole paulista (SEGAWA, 2004).

Vale lembrar que as mudanças que se operavam na conjuntura econômica e urbana da cidade apresentavam reverberações mais amplas, superando a questão do ordenamento e do embelezamento arquitetônico. As dimensões sociais, culturais e até, psicológicas, também se transformaram, mudando também a forma de viver, sentir, pensar e agir. Este conjunto de transformações acabou por tensionar o cenário. A cidade registrada nos cartões postais e álbuns oficiais era muito diferente daquela registrada nos jornais operários. Apesar destas tensões, observa-se na década de 1940 o anseio pelo modelo conhecido como “american way of life”, uma vez mais rompendo com o padrão vigente (RAGO, 2004).

A sequência de fotos de Werner Haberkorn, apresentadas à seguir, corroboram estas proposições.

Av. São João, 1940

Av. São João, 1940

Av. São João, 1952

Av. São João, 1952

Panorâmica do Centro de São Paulo, 1950

Panorâmica do Centro de São Paulo, 1950

Vale do Anhagabaú, 1945

Vale do Anhagabaú, 1945

Viaduto do Chá, 1939

Viaduto do Chá, 1939

Viaduto Santa Ifigênia, 19??

Viaduto Santa Ifigênia, 19??

A seleção de fotografias apresentadas ilustra o processo de transformação que, definitivamente, se inseriu como elemento constituinte da alma paulistana.

“Em São Paulo não há nada acabado e nem definitivo, as casas vivem menos que os homens e se afastam rápido, para alargar as ruas.”

(Alcântara Machado, apud, QUEIROZ, 2004, p. 51)

Apoio Bibliográfico:

QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Política e poder público na cidade de São Paulo: 1889-1954. In: História da Cidade de São Paulo, volume 3, a cidade na primeira metade do século XX. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

RAGO, Margareth. A invenção do cotidiano na metrópole: sociabilidade e lazer em São Paulo, 1900-1950. In: História da Cidade de São Paulo, volume 3, a cidade na primeira metade do século XX. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

SAES, Flávio. São Paulo republicana: vida econômica. In: História da Cidade de São Paulo, volume 3, a cidade na primeira metade do século XX. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

SANTOS, Carlos José Ferreira dos Santos. Nem Tudo Era Italiano: São Paulo e Pobreza: 1890-1915. São Paulo: Annablume, 1998.

SEGAWA, Hugo. São Paulo, veios e fluxos: 1872-1954. In: História da Cidade de São Paulo, volume 3, a cidade na primeira metade do século XX. São Paulo: Paz e Terra, 2004.

A Fotografia como Fonte de Conhecimento Histórico

A fotografia propicia um vasto campo de possibilidades e conhecimento. Contudo, considerando os interesses deste post, delimitações de abordagem se fazem necessárias. Não serão abordadas questões inerentes à história da fotografia, das técnicas fotográficas ou de pormenores especializados do tema. Nossa abordagem estará focada na fotografia como fonte de conhecimento histórico, resguardadas, evidentemente, todas as considerações críticas necessárias para esta apropriação.

A informação contida numa fotografia é extremamente rica e indicial, contudo, por outro lado, revela certa parcialidade. Ela não deve ser confundida objetivamente com o tema representado, antes de tudo ela é apenas o vestígio deixado pelos atores envolvidos num dado momento (KUBRUSLY, 1983).

Robert Capa

Robert Capa

Vale ressaltar a importância assumida pela fotografia na sociedade moderna, ocupando o papel anteriormente denotado à pintura no campo da documentação de caráter imagético, entretanto, a fotografia confere uma sabedoria “aparente”, sendo, portanto, necessário desmitificar a (falsa) percepção sobre a apropriação do real pelo fotógrafo. Os níveis de verdade se dão em diferentes graus, seja no aspecto prático ou conceitual (SONTAG, 1986).

Como ponto seminal de discussão encontram-se alguns princípios sobre a natureza da fotografia: (i) a fotografia como registro da realidade, ou seja, um meio de representação mimético, representando uma espécie de espelho do real; (ii) a fotografia como transformação da realidade, baseada no discurso do código e da desconstrução; e (iii) a fotografia como um traço do real, baseada no discurso de índice e referência (DUBOIS, 1994).

Robert Capa

Robert Capa

Independentemente dos princípios que podem norteá-la, a ideia de plena semelhança da imagem ao seu referente foi superada. Na visão de Dubois, a fotografia apresenta alguns corolários importantes: a singularidade, ou seja, a existência de um único negativo, independentemente da quantidade de cópias que se deseja obter; a atestação, na medida em que, na sua gênese, confirma ontologicamente a existência daquilo que mostra e, por último, o da designação, intimamente relacionado ao referente, que revela o traço indiciário.

A complexidade na análise conceitual sobre o papel da fotografia se aproxima do limite do inclassificável, pois ela reproduz um momento que poderá ser repetido mecanicamente por muito tempo de algo que não se repetirá existencialmente nunca mais. Ela revela mais do que o simples objeto, ela revela também questões sobre determinado tempo. A fotografia traz consigo uma abordagem contingencial, sempre representando alguma coisa, uma espécie de emanação do referente e, devido a isso, fornecendo detalhes que constituem um material de saber etnológico que revelam e propiciam o acesso a uma espécie de infra-saber. A fotografia transmite um aspecto da experiência humana compartilhada, contemplando três atores principais: o fotógrafo, operador da ação, nós, os espectadores das fotografias e coleções (Spectator) e aquele que é fotografado, o alvo, o referente (Spectrum) (BARTHES, 1985).

Robert Capa

Robert Capa

Especialmente no que se refere ao conceito de mimese e da pseudo-objetividade da fotografia, reforça-se seu estatuto de algo codificado sob os mais diversos aspectos, sejam eles técnicos, culturais, sociológicos ou estéticos. Vale ainda lembrar que a fotografia prefigura o estereótipo instrumental constituidor do mundo contemporâneo, e que a sua importância se reforça na medida em que vem a substituir o predomínio dos textos e dos conceitos próprios à sociedade industrial (FLUSSER, 1985).

É nesta perspectiva, especialmente no sentido de complementar ou suplantar a predominância da fonte textual, que podemos nos valer da riqueza de sentidos e significados presentes nos registros fotográficos para construção do conhecimento histórico.

Apoio Bibliográfico:

KUBRUSLY, Cláudio. O que é fotografia. São Paulo: Brasiliense, 1983.

SONTAG, Susan. Ensaios sobre fotografia. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1986.

DUBOIS, Philippe. O Ato Fotográfico. São Paulo: Ed. Papirus, 1994.

BARTHES, Roland. A Câmara Clara: nota sobre a fotografia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: 1985.

FLUSSER, Vilem. A filosofia da caixa preta. São Paulo: Hucitec, 1985.

Conhecer e Reconhecer Algo de Si que Ignorava – Reflexões sobre Birdman

Birdman – ou a inesperada virtude da ignorância, do diretor Alejandro González Iñarritu, pode nos revelar muito mais do que uma simples análise alusiva à indústria do entretenimento, e as características do engodo cultural que tal assunto pode suscitar. Apesar de transitar também por este tema, é no seu sentido filosófico que este filme deve nos impressionar.

Divulgação

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Este texto não tem como objetivo realizar uma análise crítica cinematográfica stricto sensu. Busca-se, sem nenhum (pre)juízo de valor, realizar uma análise que extraia aquilo de universal das profundas dimensões pessoais e dramas da personagem principal. Talvez, por este motivo, esta análise só faça sentido se o leitor já tiver assistido e, principalmente, apreendido as dimensões metafóricas da obra.

A trama desenvolvida em torno da intenção de Riggan Thomson (Michael Keaton) – um ator reconhecido no passado pela interpretação de Birdman (estereótipo padrão do herói blockbuster) – de interpretar uma adaptação para o teatro de um conto de Raymond Carver, traz à tona muito mais do que o simples reconhecimento profissional em um meio tão complexo como o cinema e a dramaturgia, e os seus diferentes status de reconhecimento no mundo da arte. Destacam-se nesta intenção de Riggan os mais profundos sentimentos de realização, pertencimento, reconhecimento e busca de sentido.

Esta profundidade temática ganha força pelas belíssimas fotografia e montagem, fazendo uso de um plano-sequência que contempla quase que a integralidade do filme. Esta continuidade técnica, permeada por uma história e um roteiro que se desenvolvem com maestria, problematiza de forma sutil a passagem do tempo, num fluxo contínuo típico dos processos de construção da memória – campo aberto para transcender os dramas de Riggan para o plano do universal.

Esta continuidade, apoiada por uma trilha sonora composta por um solo jazzístico de bateria, que se sucede por todo o filme, em alguns momentos numa perspectiva metalinguística, torna evidente a pressão em que a personagem se vê envolvida. Estruturas sociais, econômicas, culturais e emocionais, mostram toda sua potência, num continuum contraponto entre Riggan e sua espécie de alter-ego (o maldito/bendito Birdman).

Concomitantemente ao desmoronamento psicológico de Riggan está a aflição de todos nós, afetados em maior ou menor medida pela passagem do tempo, e pela busca de sentido sobre o passado, o presente e, principalmente, o devir.

Partindo desta premissa, o uso da contraposição entre o cinema blockbuster e o teatro off-Broadway (os conflitos entre a baixa e a alta cultura, numa alusão simplificada de viés frankfurtiano), torna-se apenas um pano de fundo (um substrato), como tantos outros possíveis, das angústias de nosso tempo.

Divulgação - New Yorker Magazine

Divulgação – New Yorker Magazine

A complexidade da trama alcança seu ponto máximo no desfecho do filme. É nesse momento que Iñarritu coloca à prova toda a capacidade crítica e analítica do público. O recurso metafórico ganha força no voo de Riggan/Birdman da janela do seu quarto no hospital em que se recupera da sua peça teatral, literalmente forjada à sangue.

O fim da angústia e da aflição por meio do abandono da própria vida, a apropriação de um poder sobre-humano e a transmutação num verdadeiro homem-pássaro típica do realismo fantástico ou simplesmente uma sensação de desafogo pela obtenção do reconhecimento artístico e social, apresentam-se como leituras possíveis, selando o gran finale da obra. Tratam-se de possibilidades, todas elas de grande capacidade de aprofundamento, que demonstram toda a o potência do filme.

Birdman aprofunda e escancara os dramas de um ator que busca um sentido em sua vida (e talvez em sua obra), e é justamente neste movimento que se revela o universal, presente em todos nós.

“Todas as artes são como espelhos nos quais o homem conhece e reconhece algo de si que ignorava”

Alain (Émile Chartier)

O desconforto que esta análise contínua sobre a nossa existência pode nos causar é aquilo que transforma a ignorância numa espécie de nova virtude, parafraseando seu subtítulo. Só ela (a ignorância) é que pode, ainda, nos manter felizes.

Birdman ou Riggan?

Apoio Bibliográfico

Alain (Émile Chartier), Vingt leçons sur les beaux-arts, 1931, in: GRATELOUP, Léon-Louis. Dicionário Filosófico de Citações. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

Ansiedade Calada – Permanências nas Obras de Edward Hopper e Gregory Crewdson

Da prática comparativa nas dimensões artística e temporal

A arte encerra níveis de complexidade que beiram a impossibilidade de teorização. A teoria dificilmente dará conta de completar seu intento explicativo. A comparação de produções artísticas, pelas dimensões de sua poética, fatura ou temporalidade, elevam esta complexidade à enésima potência.

Ciente disso, afirmações conclusivas dão lugar a uma tentativa, mesmo que tosca, de tentar transformar aquilo que transita no nível da fruição e do sensível para o nível do explicado e do verbalizado.

As obras de Edward Hopper (1882–1967) e Gregory Crewdson (1962), independentemente das suas diversas plataformas de criação e do distanciamento temporal, arrebatam.

Tal impacto é fruto da capacidade de representação da tensão entre padrões de experiência influenciados pela história social. As obras trazem imagens perturbadoras, especialmente retratando paisagens angustiantes e distópicas do imaginário norte-americano, revelando uma espécie de ansiedade calada, comum à sociedade de consumo. Esta tensão se torna visível, no contraponto entre os símbolos, ideais e efeitos de uma sociedade de consumo (incipiente ou consolidada) e as fantasias e ambições individuais, projetadas pelo próprio observador.

Hopper - Domingo - 1926

Hopper – Domingo – 1926

Hopper - Domingo de Manhã Cedo - 1930

Hopper – Domingo de Manhã Cedo – 1930

Hopper - Gasolina - 1940

Hopper – Gasolina – 1940

Hopper - Noctâmbulos - 1942

Hopper – Noctâmbulos – 1942

Hopper - Sol da Manhã - 1952

Hopper – Sol da Manhã – 1952

Hopper - Via Rápida de Quatro Faixas - 1956

Hopper – Via Rápida de Quatro Faixas – 1956

Crewdson - Sem Título - 2002-2010

Crewdson – Sem Título – 2002-2010

Crewdson - Sem Título - 2002-2010

Crewdson – Sem Título – 2002-2010

Crewdson - Sem Título - 2002-2010

Crewdson – Sem Título – 2002-2010

Crewdson - Sem Título - 2002-2010

Crewdson – Sem Título – 2002-2010

Crewdson - Sem Título - 2002-2010

Crewdson – Sem Título – 2002-2010

Crewdson - Sem Título - 2002-2010

Crewdson – Sem Título – 2002-2010

Daquilo de conceitual outorgado

Aura [Do lat. aura, por via erudita.]:
2. Hist. Filos. Cada um dos princípios sutis ou semimateriais que interferem nos fenômenos vitais.
3. Restr. Em certas religiões, como, p. ex., o espiritismo, suposto halo luminoso que só os iniciados vêem.
4. Neur. Fenômenos ou sensações que precedem o início de crise paroxística, como o ataque epiléptico.
5. Psican. Ambiente psicológico de um acontecimento exterior.

Atemporal [De a-3 + temporal.]:
1. Que independe do tempo.

Poético [Do gr. poietikós, pelo lat. poeticu.]:
1. Relativo a, ou próprio da poesia.
2. Que encerra poesia.
3. Que inspira; inspirador.