Fragmentos – O Cavaleiro de Copas (Knight of Cups)

KnightOfCups

Existem obras que não podem ser analisadas e apreendidas de imediato, no momento do primeiro contato. Obras em que o espaço da fruição e da análise estão, impreterivelmente, dissociados. O Cavaleiro de Copas (Knight of Cups), de Terrence Malick, é uma delas.

Não seria possível escrever sobre este filme imediatamente após assisti-lo. A melhor orientação seria: – Permita a fruição agora, pense depois.

O incômodo, fruto da fragmentação ininteligível num primeiro momento, deve persistir, atormentar, até que, quando devidamente depurado, possa revelar a grande riqueza de sentidos e significados proposta por Malick.

À primeira vista, O Cavaleiro de Copas apresenta uma sequência de imagens de grande potência estética, acompanhada por diálogos e narrações sussurradas e desconexas.

É nesta toada que o filme se desenvolve: fragmentos.

Contudo, estes fragmentos (que podem desagradar a muitos espectadores) serão, ao mesmo tempo, o recurso fílmico desafiador de Malick e o mote explicativo da narrativa e dos significados capitais da obra.

Sem título

O caminho percorrido por Rick (Christian Bale), personagem principal do filme, revela, por meio de um roteiro não cronológico, os gozos e as dores vividas por um homem que chega à meia idade. Memórias de luxo, sucesso, mulheres, festas e fama intercalam-se com dramas e rupturas familiares, relacionamentos fracassados, dor e arrependimento.

166

Tudo isto se apresenta na narrativa do filme, que se afunila e se concentra no problema principal: a angústia, o remorso e a dúvida de um homem que se encontra desconcertado com estas memórias e desesperado em relação ao real entendimento do presente e as escolhas a serem realizadas para o futuro.

Malick oferece caminhos explicativos para Rick – possibilidades completamente distintas, contudo, possíveis na experiência humana. Uma vida liberta, solitária e nômade; uma vida familiar focada na concepção e no cuidado com os filhos que darão sequência à nossa jornada; ou simplesmente, a opção de não acreditar no devir como um espiral de crescimento inexorável até a almejada redenção, conforme apresentado pelo pai de Rick, um senhor desgostoso da vida que se decepcionou ao não encontrar o sentido final no crepúsculo da existência.

É nesta última opção que talvez resida a grande potência do filme. Ela revelará, em última instância, a junção da concepção fílmica e semântica da obra.

Os fragmentos são os reais fatos constitutivos da nossa vida; acreditar na vida como uma grande epopeia, num regime crescente até a grande redenção pode decepcionar a muitos. Nos fragmentos e no processo é que a vida se realiza, com todas as suas felicidades e suas dores.

Se existiam dúvidas de Rick em relação à sua história e suas complexas memórias, já não importa mais. Estas memórias não estão, elas já se tornaram nós. A última frase do filme parece resumir claramente a saída: simplesmente “begin”.

Índice