São Paulo: Sinfonia [Entrópica] da Metrópole

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O passado talvez seja o melhor dos artifícios para nos revelar o presente. Assistir “São Paulo: Sinfonia da Metrópole”, um filme de 1929, dirigido pelos húngaros radicados em São Paulo, Rodolfo Lustig e Adalberto Kemeny, confirma esta máxima.

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O filme, que apresenta influências do cubismo e do construtivismo e é inspirado em “Berlim: Sinfonia da Metrópole” (1927) de Walther Ruttman, pode ser considerado, na concepção de Scott McDonald (2015), uma espécie de obra “avant-doc”,  um cinema  que traz elementos avant-garde e documentais.

Mas o objeto da discussão aqui não é a produção cinematográfica em si (apesar do reconhecimento do seu mérito artístico e histórico), mas sim a proposição inicial deste post… : o filme, ao mostrar aquela São Paulo de 1929, nos revela muito da nossa São Paulo de hoje.

Tudo está lá, mesmo que em sua fase germinal (uma espécie de “ovo da serpente”? Talvez…).

Jornais…garoa…ligar de máquinas…ruídos…bancos e finanças…café…passos apertados… tempo e relógio…cosmopolitismo…trens… os “titãs de cimento armado”… as ” chaminés com seus fumos negros’.

Estas variáveis simbólicas e reais fazem parte da sua construção e configuração.

A cidade é uma construção social e, por consequência, sua configuração está diretamente ligada às ações e aos pensamentos dos homens e mulheres. Ela é uma produção (e uma reprodução) de seres humanos por seres humanos. Não se limita ao mero relacionamento e produção de objetos (LEFEBVRE, 2001).

São Paulo pode ser entendida como um agente social polarizador de recursos, que apresenta uma centralidade orgânica, com intensa articulação de fluxos, configuração espacial, uso constante da simbolização e visibilidade social (SEVCENKO, 2004).

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Cena do Filme “São Paulo: Sinfonia da Metrópole”

O desequilíbrio, esperado em um sistema tão complexo como este, nada mais é do que o resultado dos impulsos contraditórios que a constitui (SIMMEL, apud CASTELLS, 1983).

O cenário que sentimos, de desarticulação e degradação das grandes cidades contemporâneas, apresenta características irreversíveis, principalmente em relação aos recursos naturais e aos danos sociais causados, permitindo uma correlação com o significado entrópico do desenvolvimento das sociedades.

O tempo flui no sentido da perda de estrutura, perda de significação (dos padrões construídos) e perda da beleza (ALMEIDA, 1999). A ordem da cidade, pensada simbolicamente pelos pioneiros, demonstra não ser uma abordagem natural e possível (RAMA, 1985). Esta ordem é antes de tudo um artifício que permite enxergar apenas uma das inúmeras possibilidades.

 

Nesta São Paulo, que representa uma espécie de laboratório de experimentações para as múltiplas formas de organização, principalmente para a crescente margem de excluídos, ganha valor a dialética entre concentração e dispersão, ordem e desordem (SOUZA, 2004).

Em São Paulo as mudanças são tão sensíveis que se pode considerar obsoleta e degradada, seja pelas mudanças sociais ou pela devastação sofrida, uma construção com apenas duas décadas de existência. O espaço organizado e construído, em certa medida, também representa as relações sociais que estão presentes na cidade (REIS FILHO, 1994).

A metástasis paulistana, conota um sentido de deslocamento, mobilidade, transporte e comunicação entre diversos contextos (SEVCENKO, 2004).

O tempus edax rerum, o tempo que consome e estraga todas as coisas, apresenta o consumismo (em todas as suas facetas) como algo natural, tendo o progresso como seu imperativo ético. A sensação de beco sem saída reflete o caráter auto-destruidor daquilo conhecido como progresso (LAUAND, 2001).

E longa vida à Babilônia Paulistana.

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Centro de São Paulo –  Theodor Preising – Década de 1940

Referências:

ALMEIDA, Mauro W. B. de. Simetria e Entropia: sobre a noção de estrutura de Lévi-Strauss. Revista Antropologia, vol. 42, n. 1-2, p. 163-156, 1999.

CASTELLS, Manuel. A Questão Urbana. Rio de Janeiro, Paz e Terra: 1983.

LAUAND, Luiz Jean. Entropia: progresso para a destruição. Revista de Graduação da Engenharia Química São Paulo, n. 8, p. 9-16, jul./dez. 2001.

LEFEBVRE, Henry. O Direito à Cidade, São Paulo, Centauro: 2001.

MC DONALD, Scott. Avant-Doc: Intersections of Documentary and Avant-Garde Cinema. New York: Oxford University Press, 2015.

RAMA, Angel. A Cidade das letras. São Paulo, Editora Brasiliense: 1985.

REIS FILHO, Nestor Goulart. São Paulo e Outras Cidades. São Paulo, Hucitec: 1994.

SEVCENKO, Nicolau. A Cidade Metástasis e o Urbanismo Inflacionário: incursões na entropia paulista. Revista da USP, São Paulo, CCS, v.63, p.17-35.

SOUZA, Maria Adélia Aparecida de. A Identidade da Metrópole: a verticalização em São Paulo. São Paulo, Hucitec/EDUSP: 1994.