A história recente da cidade de São Paulo, especialmente aquela referente ao século XX, é conhecida por seu grande movimento de transformação econômica, urbana e social, oriundo, principalmente, da riqueza advinda da cafeicultura do século XIX e pelo processo de industrialização que se opera na primeira metade do século XX. Este processo apresentou especificidades importantes que merecem uma leitura pormenorizada.
A Herança da Cafeicultura
As transformações ocorridas no início do século XX, decorrentes da pujança econômica que a cidade demonstrava, sintetizada a partir de 1890, e oriunda dos excedentes financeiros provenientes da cafeicultura, marcou a ascensão de uma elite majoritariamente imigrante destituída de tradições, que apresentava um caráter comercial e, posteriormente, industrial.
Esta destituição de tradições locais deve ser considerada com especial cuidado, pois será responsável por caracterizar o modelo de transformação ocorrido: das moradias nas fazendas provincianas cafeicultoras à ostentação de estilos diferenciados e misturados, quase todos de origem européia (Art Noveau, Neoclássico e o ecletismo), que se afirmaram na arquitetura da cidade, e que serão apropriados pela mesma elite e pelo governo provincial de São Paulo, na gestão de Antonio Prado, como modelo e símbolo de desenvolvimento (a “europeização” do seu centro), sendo este o período preferencial registrado por Aurélio Becherini.
O projeto de uma civilização moderna, branca e de perfil europeu, mesmo que procurasse obliterar os vestígios de uma barbárie, representada pela população pobre e uma cidade provinciana, era lugar comum no imaginário das elites dominantes no início do século XX (SANTOS, 1998).
A sequência de fotos de Aurélio Becherini, apresentadas à seguir, explicitam tais considerações.
São Paulo como Metrópole – processo de transformação
Outro ciclo de transformação pode ser visualizado ao final da primeira metade do século XX. Apesar da força motriz das transformações apresentar a mesma natureza daquela visualizada no início do século, ou seja, de ordem econômica, os fatores determinantes agora são outros. A pujança, neste período, encontrava-se, especialmente, no processo de substituição de importações intensificado na década de 1940 com o início da Segunda Guerra Mundial e pela implantação da indústria automobilística.
Este dinamismo econômico se materializa na expansão física da cidade e no desenvolvimento da construção civil. Vale lembrar que é no segundo quartil do século XX que se inaugurou o emblemático Edifício Martinelli (1929) e os demais arranha-céus que lhe sucederam, como o edifício do Banco do Estado de São Paulo (SAES, 2004).
Nesta nova conjuntura, surgiu a figura de um político preocupado e com predileção pelo planejamento urbano: Francisco Prestes Maia. Prefeito nomeado pelo governo federal, no período de 1938 a 1945, deu fim à grande rotatividade de mandatários que se sucederam, num curto espaço de tempo, à frente da prefeitura de São Paulo.
A cidade novamente mudaria de feição, como uma espécie de caleidoscópio. A mentalidade paulistana pautava-se no progresso, entendido especificamente pela transformação qualitativa da produção industrial, do crescimento populacional, do tráfego, pela abertura de avenidas e pela construção de edificações (QUEIROZ, 2004), registros prediletos de Werner Haberkorn.
O legado de Prestes Maia prevaleceria por muitas décadas na doutrina urbanística da cidade de São Paulo. Seu Plano de Avenidas, editado em 1930, e que prevaleceu por mais de 40 anos, ainda define a estrutura organizacional viária da metrópole paulista (SEGAWA, 2004).
Vale lembrar que as mudanças que se operavam na conjuntura econômica e urbana da cidade apresentavam reverberações mais amplas, superando a questão do ordenamento e do embelezamento arquitetônico. As dimensões sociais, culturais e até, psicológicas, também se transformaram, mudando também a forma de viver, sentir, pensar e agir. Este conjunto de transformações acabou por tensionar o cenário. A cidade registrada nos cartões postais e álbuns oficiais era muito diferente daquela registrada nos jornais operários. Apesar destas tensões, observa-se na década de 1940 o anseio pelo modelo conhecido como “american way of life”, uma vez mais rompendo com o padrão vigente (RAGO, 2004).
A sequência de fotos de Werner Haberkorn, apresentadas à seguir, corroboram estas proposições.
A seleção de fotografias apresentadas ilustra o processo de transformação que, definitivamente, se inseriu como elemento constituinte da alma paulistana.
“Em São Paulo não há nada acabado e nem definitivo, as casas vivem menos que os homens e se afastam rápido, para alargar as ruas.”
(Alcântara Machado, apud, QUEIROZ, 2004, p. 51)
Apoio Bibliográfico:
QUEIROZ, Suely Robles Reis de. Política e poder público na cidade de São Paulo: 1889-1954. In: História da Cidade de São Paulo, volume 3, a cidade na primeira metade do século XX. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
RAGO, Margareth. A invenção do cotidiano na metrópole: sociabilidade e lazer em São Paulo, 1900-1950. In: História da Cidade de São Paulo, volume 3, a cidade na primeira metade do século XX. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
SAES, Flávio. São Paulo republicana: vida econômica. In: História da Cidade de São Paulo, volume 3, a cidade na primeira metade do século XX. São Paulo: Paz e Terra, 2004.
SANTOS, Carlos José Ferreira dos Santos. Nem Tudo Era Italiano: São Paulo e Pobreza: 1890-1915. São Paulo: Annablume, 1998.
SEGAWA, Hugo. São Paulo, veios e fluxos: 1872-1954. In: História da Cidade de São Paulo, volume 3, a cidade na primeira metade do século XX. São Paulo: Paz e Terra, 2004.